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18 dias de Junho



Um dia, sete horas, vinte e três minutos e quarenta e dois segundos. É segunda feira. Aquelas típicas, com gosto amargo e céu cinzento. Cenário comum em uma cidade maluca como São Paulo. Eu preciso trabalhar, mas ainda falta muito tempo para sair de casa. Então eu sento na cama e começo a pensar aceleradamente em coisas que possam tomar o meu tempo até lá, já que sei que se deitar agora não me trará o sono de novo e só vai tornar uma máquina de imagens suas em movimento. Então acho que é uma boa ideia começar uma faxina em meu quarto. Pés no chão gelado, luzes acesas, janelas abertas e a playlist de músicas de balada no último volume.

Cinco dias, doze horas, trinta e seis minutos e dois segundos. Todos estão animados dentro do ônibus. Seus semblantes denunciam que hoje provavelmente é o melhor dia da semana para todo mundo: hoje é sexta feira. Meu estômago está doendo. Sinto como se meu corpo fosse uma folha de papel dentro daquela máquina de chacoalhar. Tento me manter em pé sem esbarrar em ninguém mas parece uma tarefa impossível. Estou com os meus fiéis fones de ouvido criando uma barreira entre eu e o resto do mundo. Mas não é uma boa solução quando o objetivo é me isolar de você. Que dor no estômago, inferno.

Onze dias, quinze horas, cinquenta e oito minutos e vinte e quatro segundos. O trabalho parece o melhor lugar para estar. Sinto que ao menos durante algumas horas do dia posso tirar os fones sem medo de me encontrar com uma imagem sua na próxima esquina. Posso sorrir sem precisar lembrar que não tenho motivos para isso. Tenho permissão para conversar com as outras pessoas sem o compromisso de perceber que não nos falaremos durante à noite. E finalmente, lembro que estou há várias horas sem comer e acabo cedendo à qualquer bobagem que encontro pela frente. No fundo eu sei que é só por isso mesmo que eu ainda não desmaiei fraco pelas ruas.

Quatorze dias, vinte horas, seis minutos, e trinta e sete segundos. Modifiquei a playlist do celular para uma que dei o nome de “The funeral”. Não tenho medo e nem vergonha de chorar andando sozinho pela calçada. Eu percebo que as pessoas se sentem diretamente atingidas. E mesmo não demonstrando, acho engraçado. Ninguém gosta de ver outra pessoa chorar porque não sabe como lidar com a dor e o sofrimento alheios. Então, ao mesmo tempo em que elas me olham, elas desviam o olhar tentando de alguma forma, de alguma maneira se proteger da minha angustia. Porque este é um tipo de sentimento com aspecto contagioso.

Dezoito dias, uma hora, cinquenta minutos e cinco segundos. Não consigo dormir. Estou praticamente fritando na cama como se fosse um pedaço de guioza. Meu corpo está quente e dolorido. No peito uma sensação estranha de aperto e uma falta de ar que com certeza é do resfriado que acabou me pegando essa semana. Acho que estou com febre. Abro a bolsa, procurando um remédio relaxante muscular ou qualquer coisa do tipo. Sento na cama esperando que em algumas horas algo faça efeito. Neste tempo, você aparece, me sufoca, me afoga e me mata de tanta saudade, de tanta dor. Choro como eu nunca chorei em toda a minha vida e percebo que já é hora de acabar.


Um dia, oito horas, zero minutos e zero segundos. Hoje é segunda-feira, faz 30º lá fora eu estou escolhendo viver sem você. 

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