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Ansiedade, pela última vez




I got a fear, oh in my blood
She was carried up into the clouds, high above
If you’re there I bleed the same
If you’re scared I’m on my way
If you runaway, come back home
Just come home

Não, você nunca me viu falando sobre ansiedade publicamente, nem mesmo escrevendo sobre ela (ou só não estava atento o suficiente). Apesar disso, esta será definitivamente a última vez. 

Você pode não ter percebido; passou pela sua mente mas, ao mesmo tempo, foi tão rápido que nem merecia atenção. Mas eu tenho certeza que se perguntou por qual motivo não aceitei o convite para tomar uma cerveja. E estranhou quando, não mais do que do nada, o meu humor mudou da água para o vinho e o clima simplesmente se transformou em algo indigesto. Eu também percebi o seu incômodo quando perguntei várias vezes coisas que, para você, talvez fossem óbvias e em alguns momentos até chatas.

Hoje, na verdade, eu deveria estar fazendo outra coisa. Algo que precisa da minha atenção, algo que preciso finalizar. Mas, neste momento, diferente de todos os outros, é a primeira vez que me sinto a vontade para dizer certas coisas. Pela primeira vez em um tempo indeterminado eu consegui sentar e fazer a coisa que mais me alivia na vida: escrever sobre as minhas angústias. E, inclusive, foi através deste bloqueio tão intenso que percebi que algo estava errado. Muito errado. 

A ansiedade é um tipo de transtorno mental. Já ouvi muitas pessoas rindo ou dizendo "nossa, eu também tenho ansiedade" quando, por acaso, comentei que sofria com ela. É mais do que comum alguém dizer "ah, mas vamos sair que melhora", "ah, mas trancada dentro de casa e com essa cara feia, qualquer um fica ansioso né?". Errado. Você já sentiu como se fosse um copo cheio d'água e uma inofensiva gota pudesse ser capaz de provocar um tsunami? Ou já sentiu como se o tempo fosse algo que corre tão rápido, mas tão intensamente que você não consegue respirar? Nossa percepção do tic-taquear do relógio é tão aguçada que é quase como se pudêssemos tocá-lo. Sintomas? Choro, taquicardia, nervosismo, insegurança, baixa autoestima, angústia e tristeza, muita tristeza. 

Quero te dizer agora que não, nem todo mundo tem este transtorno. O que eu estou descrevendo aqui não é a ansiedade por algo por acontecer, a espera por uma notícia ou mesmo para ver alguém. Estou falando de uma angústia tão profunda que ao chegar no limite você se esvazia ao ponto de não se reconhecer mais. De entrar em um redemoinho escuro e ir se perdendo, se apagando, até sucumbir dentro de um limbo que existe em casa um de nós. 

Ela é capaz de arrancar todo o meu chão, todas as minhas certezas, a minha confiança, as minhas verdades; consegue dissolver a minha estabilidade e reduzi-lá ao pó que o vento leva. E então, incansável, ela me guarda em um lugar sujo, onde estou cega, com sede, com fome, sozinha e com frio. E é aí que ele chega: o medo. Esta é a pior fase da ansiedade. Ao alcança-la você acredita que o caminho de volta foi apagado. Não há retorno, atalho, saída. 

Passei por duas situações de stress limite: uma tentativa de assalto com arma de fogo e um assalto com arma branca. Ambas com a diferença de uma semana cada. O que sobrou? Transtorno de stress pós-traumático e medo. O medo é um sentimento muito parecido com amor e ódio. E assim como eles, ele é um estado de espírito que te paralisa. De repente tudo caminha ao redor daquilo e você vive em função disto. 

Cada um de nós tem medos específicos, subdivididos de acordo com o poder que eles podem ter sob nós. No meu caso, após semanas e semanas de reflexão e terapia descobri que o meu maior medo é o do abandono. Tenho medo de pensar em ficar sozinha, no sentido amplo da coisa e no mínimo também. Mas não é o estar sozinha de sempre ser desde que nasceu. É o de ser deixada. Aquele medo que nós temos de nos perder da nossa mãe no centro da cidade, sabe? O medo de não encontrar mais e só sobrar a lembrança de que um dia você esteve ali, com aquela pessoa. 

Todas as minhas crises de ansiedade me incapacitam. E o pior de tudo: elas travam a minha comunicação. Eu simplesmente não consigo dizer o que me incomoda, o que me angustia, o que está acontecendo e isso afasta as pessoas. Afasta aqueles que tentam me ajudar. As pessoas precisam conhecer os gatilhos para encontrar o botão desligar, caso contrário, ficam de mãos tão amarras quanto as nossas. A diferença é que eles podem ir embora e te deixar com aquela luz acesa enquanto tudo que você quer é dormir. Descansar. 

Uma pessoa ansiosa fica agitada e inquieta, é fácil perceber. Uma pessoa com transtorno de ansiedade muitas vezes está quieta, amuada em seu canto, vivendo o inferno por dentro e, eu garanto, você dificilmente vai saber. Por isso, quando alguém te contar que sofre com TAG, não menospreze ou diminua aquela situação. Ouça o que ela tem a dizer, e não sinta-se obrigado a ficar. Nós sabemos, melhor do que ninguém, o quanto é difícil. 

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