Pular para o conteúdo principal

Modéstia à Parte



É tão bom te acompanhar
E ver você sendo você
Te observar me adivinhar
E me ler sem legenda nenhuma
É tão fácil te gostar
Vira parte do viver ♪ 
Ela se deixou em mim. Assim como quem não tem medo de se perder, como quem não quer pensar em descobrir o caminho de volta. Sua boca provou da minha assim como quem tem fome de sabor, como quem nunca um doce provou. Singular, como a única flor capaz de brotar em meio ao inverno mais gélido e cruel. "Da-me comparação exata e poética para lhes dizer o que foram...", o que foram todos esses dias em que sua presença, que desafia o tempo e o espaço, não se fez presente. Todo este tempo, como captar oxigênio de maneira plena? Nunca responderemos. 

Da mesma forma que um perfumista é capaz de extrair o mais raro dos perfumes de qualquer material, com ela encontrei a melhor versão de mim. Todos os raios de sol invadindo uma mesma janela, aquecendo uma mesma pele, iluminando duas vidas. Os dias já não passavam despercebidos. As correntes que antes prendiam-me pelos pés, não deixaram de existir, apenas mantinham-se abertas, como uma gaiola em que o pássaro que lá vive escolhe se vai, se fica, se volta. 

Querem saber quem é ela. Como ela é? E como descrever, simplificá-la seria inferiorizar seu significado? Tal como um clarão à meia-noite, entorpece qualquer mente, ofusca a visão. Em dias de sol, em noites escuras, às manhãs chuvosas, durante a tarde vermelha, ela brilha, inebria a alma dos bem aventurados, povoa meus pensamentos, faz morada em meu coração, inspira minha escrita, meu acordar e tudo aquilo que se faz presente, desde o mais ingênuo dos sorrisos até a mais salgada lágrima que passeia em meu rosto. 

Pinta meus quadros, escreve minhas músicas, compõe minhas peças e me desarma, me deixa nua. Rasga meu peito de dentro para fora. Afoga minhas inseguranças, meus medos. Fecha meus olhos e me faz enxergar uma realidade nossa e pergunta "Por que você é assim?". Assim, vazia e cheia, vazia de tristeza e cheia de amor. Ela capacita minha mente, minhas atitudes, poderia construir qualquer castelo de areia e jamais derrubá-lo. 

Sinto-me capaz. Capaz da mais louca das loucuras de alegria, de amor, ah, chamem como quiser. Não dou nomenclatura ao que não sei explicar, ao que não se pode trancar. 

Estendi minha magra e longa mão, toquei a campanhia à sua porta. Não tenho a sua audição, mas pude sentir seus passos deslizando pelo piso liso das escadas. Baixei o olhar e fitando a calçada sorri com o canto da boca. Lá vem ela. Retumba o coração, trava a respiração, ela abre o portão e. Nossos olhos se encontram como se ela me encontrasse em um salão de festas e estendesse a mão, tirando-me para dançar. Ei você, onde vamos? Verdes olhos, posso me alojar aqui? Toquei a maçã do rosto mascavo dela, e o vi rubrar em meus dedos. Sua respiração padeceu, os olhos fechados e o pescoço inclinado de leve. Ah, minha menina. 

Aproximei o corpo do dela e encontrei sua cintura com minha outra mão. Os dedos que antes tocavam sua pele, agora estavam subindo sua nuca e mesclando-se aos cachos em seu cabelo. Teu abraço me sufocou tanto que cheguei a duvidar que tão herculana força fosse capaz de sair de seus braços aparentemente magros. O riso em seu ouvido denunciou o momento que minha armadura caiu ao chão, completamente inútil. E então os lábios dela se abriram e uma música tocou perguntando "Por que você é assim?", e eu respondi: "Por te amar. E que sorte a minha, modéstia à parte". 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ansiedade, pela última vez

I got a fear, oh in my blood She was carried up into the clouds, high above If you’re there I bleed the same If you’re scared I’m on my way If you runaway, come back home Just come home Não, você nunca me viu falando sobre ansiedade publicamente, nem mesmo escrevendo sobre ela (ou só não estava atento o suficiente). Apesar disso, esta será definitivamente a última vez.  Você pode não ter percebido; passou pela sua mente mas, ao mesmo tempo, foi tão rápido que nem merecia atenção. Mas eu tenho certeza que se perguntou por qual motivo não aceitei o convite para tomar uma cerveja. E estranhou quando, não mais do que do nada, o meu humor mudou da água para o vinho e o clima simplesmente se transformou em algo indigesto. Eu também percebi o seu incômodo quando perguntei várias vezes coisas que, para você, talvez fossem óbvias e em alguns momentos até chatas. Hoje, na verdade, eu deveria estar fazendo outra coisa. Algo que precisa da minha atenção, algo que preciso finalizar. M...

Mas tem que ser assim

Não sei o que dizer. Na verdade eu não deveria saber o que dizer, afinal. Eu deveria saber. Deveria ter pensando e ter planejado isto. Cada maldito detalhe, cada mínima possibilidade que pudesse me romper, que pudesse se infiltrar. Poderia ter sido previsto. A única coisa com a qual não contava era com você. Daqui a exatamente oito dias a sua voz vai entrar em minha mente, penetrando cada ferida, cada pequena parte de mim que você fez questão de rasgar. Os meus planos irão todos fundir-se com a sua verdade e em pouco tempo eu estarei dominada por algo que não sei como e não sei de onde vem e me arrebata para longe, para três anos e onze meses atrás, quando tudo era azul e o sol brilhava dentro de mim espontaneamente. O que me pergunto na verdade é: eu deveria saber que você me traria tanta dor? Te pergunto e você diz que só sei te culpar. Mas depois de tanto tempo consegui refletir mais tranquilamente sobre. A culpa é algo que não existe. Diante de tantas razões que procurei enco...

Se cuida, tá?

"Então tá bom, boa noite. Se cuida, tá?". Eu gosto das palavras por muitos motivos, alguns que provavelmente só fazem sentido para mim, e tudo bem. Um deles é o fato de caber tanta coisa dentro de uma única palavra. Já parou para pensar? E dentro de uma frase? Meu Deus! Cabe um universo inteiro e outro e outro, infinitas possibilidades. A gente é meio acomodado e acaba se contentando com o mais óbvio, o mais fácil, o que já está ali mastigado, é só engolir. Eu não. Tem uns dias que o mundo está quieto. Os sons já não são mais os mesmos, nem mesmo os assobios do vento, ou o cair das águas batendo nas pedras. A gente nunca teve que dizer tanto "se cuida, tá"? E ali dentro cabe a preocupação, cabe os medos, a vontade de estar perto, de fazer mais do que consegue fazer quando se está do outro lado da tela, porta, parede, mundo. Tem também muita esperança, uma certeza sem origem conhecida de que vai ficar tudo bem. E vai mesmo, mas a gente fala para tornar verdade. Nin...