Pular para o conteúdo principal

Armadura



Seja meu amigo. Preserve meu coração, me dê o direito de explorar a minha dor, a minha tristeza. Permita que meu corpo se acostume ao desconforto do sofrimento ininterrupto que abala as estruturas do meu âmago. Estou te pedindo, quase implorando para que deixe o sabor amargo durar mais um pouco.

Não se sinta a pior pessoa do mundo ou alguém incapaz de ajudar ao próximo quando eu estou escolhendo abrir meu peito e a deixar entrar. É preciso muita coragem, uma dose inexplicável de amor próprio e uma força quase desumana que não-se-sabe-de-onde-vem para estar aqui. Escolher de bom grado subir em um palanque à praça pública gritando para que as pedras sejam jogadas.

Não entenda mal. Não acho justo quando as pessoas se permitem sofrer gratuitamente, pelo simples fato de não terem capacidade e fé para enfrentar seus próprios problemas; definitivamente não estamos falando da mesma coisa. O que jogo nesta mesa hoje é uma dor permitida, uma tristeza autorizada. Necessária, ramificada, pensada e porque não dizer: minha. E só minha.

Uma vez li o seguinte: “A verdade é que eu não acordei triste hoje, nem mesmo com uma suave melancolia, está tudo normal. Mas quando fico triste, também está tudo normal. Porque ficar triste é comum, é um sentimento tão legítimo quanto a alegria, é um registro de nossa sensibilidade, que ora gargalha em grupo, ora busca o silêncio e a solidão. Estar triste não é estar deprimido*”.

A tristeza de hoje, a minha, não tem a ver com a perca do sentido em minha vida, em meus amigos, família ou profissão. Está ligada a uma perca de armadura, uma exposição à minha fragilidade que, não se assuste, é normal. Ás vezes um pouco frequente, porém nunca tão consciente. Hoje eu não me sinto bem realmente, não há algo que possa curar a sensação de perca no espaço e tempo e a angústia que se instalou em minha garganta como um chiclete que gruda nos cabelos.

A angústia de hoje tem um gosto de aceitação, de reconhecimento da guarda baixada e dói sim, como não iria doer? Pior é ainda ter a consciência de que a mudança em uma realidade é vagarosa, cruel e egoísta. Mas deixe estar.


Seja meu amigo. Aceite minha dor, respeite meu espaço. Ouça meu choro, ou não. Dê-me seu ombro, ou não. Mas entenda. Entenda-me. Permita-me viver a minha tristeza e minha descrença no amor, nas soluções instantâneas e nas cicatrizes que não chegam aqui. “A dor precisa ser sentida”. 

*Martha Medeiros - A Tristeza Permitida 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ansiedade, pela última vez

I got a fear, oh in my blood She was carried up into the clouds, high above If you’re there I bleed the same If you’re scared I’m on my way If you runaway, come back home Just come home Não, você nunca me viu falando sobre ansiedade publicamente, nem mesmo escrevendo sobre ela (ou só não estava atento o suficiente). Apesar disso, esta será definitivamente a última vez.  Você pode não ter percebido; passou pela sua mente mas, ao mesmo tempo, foi tão rápido que nem merecia atenção. Mas eu tenho certeza que se perguntou por qual motivo não aceitei o convite para tomar uma cerveja. E estranhou quando, não mais do que do nada, o meu humor mudou da água para o vinho e o clima simplesmente se transformou em algo indigesto. Eu também percebi o seu incômodo quando perguntei várias vezes coisas que, para você, talvez fossem óbvias e em alguns momentos até chatas. Hoje, na verdade, eu deveria estar fazendo outra coisa. Algo que precisa da minha atenção, algo que preciso finalizar. M...

Mas tem que ser assim

Não sei o que dizer. Na verdade eu não deveria saber o que dizer, afinal. Eu deveria saber. Deveria ter pensando e ter planejado isto. Cada maldito detalhe, cada mínima possibilidade que pudesse me romper, que pudesse se infiltrar. Poderia ter sido previsto. A única coisa com a qual não contava era com você. Daqui a exatamente oito dias a sua voz vai entrar em minha mente, penetrando cada ferida, cada pequena parte de mim que você fez questão de rasgar. Os meus planos irão todos fundir-se com a sua verdade e em pouco tempo eu estarei dominada por algo que não sei como e não sei de onde vem e me arrebata para longe, para três anos e onze meses atrás, quando tudo era azul e o sol brilhava dentro de mim espontaneamente. O que me pergunto na verdade é: eu deveria saber que você me traria tanta dor? Te pergunto e você diz que só sei te culpar. Mas depois de tanto tempo consegui refletir mais tranquilamente sobre. A culpa é algo que não existe. Diante de tantas razões que procurei enco...

Se cuida, tá?

"Então tá bom, boa noite. Se cuida, tá?". Eu gosto das palavras por muitos motivos, alguns que provavelmente só fazem sentido para mim, e tudo bem. Um deles é o fato de caber tanta coisa dentro de uma única palavra. Já parou para pensar? E dentro de uma frase? Meu Deus! Cabe um universo inteiro e outro e outro, infinitas possibilidades. A gente é meio acomodado e acaba se contentando com o mais óbvio, o mais fácil, o que já está ali mastigado, é só engolir. Eu não. Tem uns dias que o mundo está quieto. Os sons já não são mais os mesmos, nem mesmo os assobios do vento, ou o cair das águas batendo nas pedras. A gente nunca teve que dizer tanto "se cuida, tá"? E ali dentro cabe a preocupação, cabe os medos, a vontade de estar perto, de fazer mais do que consegue fazer quando se está do outro lado da tela, porta, parede, mundo. Tem também muita esperança, uma certeza sem origem conhecida de que vai ficar tudo bem. E vai mesmo, mas a gente fala para tornar verdade. Nin...