Pular para o conteúdo principal

Henrique Pt. III




E eu até acho que o fato de não amar Henrique foi o que me permitiu estar com ele hoje. Sim, porque eu tenho repulsa desse sentimento nojento chamado "amor". Fora o meu pequeno trauma aos meus nove anos, já deve ser óbvio que minhas experiências "amorosas" não foram lá o que a gente pode chamar de conto de fadas. Na verdade eu acho que passaram bem longe disso mesmo. Mas não importa, o que quero que saibam é que este rapaz que aqui estava há menos de dez minutos é a minha cobaia, e não, eu não sinto nenhum tipo de culpa, remorso ou mesmo peso na consciência por isto. 

Vocês já me acham a pior pessoa do mundo? 

Bem, deixa eu falar um pouco sobre o Pedro Henrique. Sim, é o nome dele. O Rick é fotógrafo. Talvez outro motivo para eu ter escolhido ele. Trabalha com fotografia artística, e eu o conheci um dia desses enquanto não pensava em nada caminhando por um parque no centro da cidade. Quase como uma cena de filme. Ele surgiu de trás de uma árvore com aquela lente maravilhosa e através dela me despiu com um click. Depois disso, o básico, telefone, jantar, sexo e café. O problema é que o rapaz é apaixonado. O sangue dele corre pelas veias em 240ºC e a 8km por hora, porque ele gosta de ser intenso aos poucos. 

Henrique é o cara que vai pagar a sua conta do bar e segurar o seu cabelo quando você der perda total. Ele é o cara que vai te dar espaço na cama e vai desistir de puxar o cobertor só para que você não sinta frio. Ele não vai acordar mais cedo para te fazer café da manhã porque ele não quer perder um minuto sequer do seu rosto enquanto dorme e pra ele, tomar café em casa tira todo o tesão de caminhar pela calçada em uma manhã ensolarada de final de semana. Ele vai aceitar ver aquele filme de comédia romântica detestável, não porque ele quer te agradar, mas porque estar com você com ou sem esse filme tanto faz. O Henrique que eu não amo não é rico e fará anéis com o lacre do pão de forma para te pedir em casamento. E ele vai te fazer rir, mais do que tudo, ele vai te fazer lembrar o que é ter um amigo, alguém para tomar banho de porta aberta. Ele fará o seu coração pulsar. 

O problema é que eu não sou essa pessoa. Eu não sou quem o Henrique precisa encontrar e muito menos mereço quem ele é. Tudo porque esta roupa que ele oferece não me cai bem e eu sempre gostei mesmo é de andar nua por aí. É tão difícil de entender? 

Mas a verdade é que eu me tornei muito boa em descobrir, vasculhar as pessoas. Pouquíssimas vezes me impressiono com alguma história e tenho muita facilidade em despir quem se propõe a ser minha cobaia. Para mim, sempre foi bastante simples ter um coração batendo, pulsando na palma da mão, gritando na ponta dos meus dedos. E eu confesso que a minha tentação passava muito além da maldade, porquê as minhas unhas acariciavam aquela presa ingênua que poderia sangrar a qualquer momento apenas com uma fechada de punho.

Me tornei muito boa em ser aquilo que já foram param e simplesmente desaprendi a manter a guarda baixa quando não há perigo. Desaprendi a tirar os sapatos para sentir a grama fresca entre os dedos. E por tudo isso eu acho divertido ter o coração de Henrique em minhas mãos.  

É eu sou a pior pessoa do mundo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ela venceu

We were born sick You heard them say it My church offers no absolutions She tells me: Worship in the bedroom ♪ Saber como começou é um mistério. Pode ter sido naquela bronca desnecessária; no pedido de algum doce na rua; no olhar inocente para salgadinhos e guloseimas no supermercado, seguidos de um “nem pensar, mocinha”. Não tem como saber. A compulsão alimentar tem muitas formas de reivindicar seu espaço. Vem ardilosa, às vezes como um ato de “rebeldia”, às vezes sem motivo nenhum, só vem e preenche tudo, como um tsunami de magnitudes nunca vistas.  No caso dela não foi diferente. É quase cruel como crianças conseguem perceber suas privações e encarar isso como um ataque. Sorrateiro como uma cobra no mato, o sentimento de que algo não está certo é inevitável: por que nunca podia ter coisas gostosas na sua lancheira da escolar? Por que nunca podia comprar os lanches na cantina? Porque nunca podia tomar refrigerante aos finais de semana, como todo mundo? Ela não entendia.  Mesmo assim,

Vai dar tempo?

So, before you go Was there something I could've said To make it all stop hurting? It kills me how your mind can make you feel so worthless Será que a gente vai ter tempo para fazer tudo o que acha que não tem tempo pra fazer hoje? Será que amanhã, ou depois, ou qualquer outro dia que vai se chamar "amanhã" de novo, a gente consegue finalmente começar aquela dieta? Frequentar a academia, pegar o carro pra dirigir? Juntar a grana para aquela viagem? Se organizar e ir morar sozinho? Sozinho, só você e você, com essas pendências e todas as outras mais que a sua memória fez questão de esquecer agora, afinal, é muita informação para um só HD. Será? Sei lá.  Eu sei lá o que é que eu quero hoje, mas eu quero tudo isso. Tudo isso que eu nem sei o que é, mas eu sei que vai dar trabalho, então é melhor querer agora, do que decidir querer depois e de repente perceber que eu nem queria mesmo. Acho que isso de "eu nem queria mesmo", é quase uma estratégia nossa, para quando

Modéstia à parte II

Modéstia à parte II (minha pobre adaptação do seu maravilhoso texto) Por Isabelle Brown Você se deixou em mim. Cheia de medo de se perder, como quem não quer trilhar um caminho inseguro. Singular, como a flor de Drummond. Rompeu o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio. “Da-me comparação exata e poética para lhes dizer (...)” o que significa ter que desafiar o espaço-tempo para conseguir desfrutar da sua rara presença. Tão pouco tempo... como captar suas ideias de maneira plena? Nunca vou saber. Tal como a Teoria da Relatividade Restrita ignora os óbvios efeitos da gravidade, você desconsiderou o pior de mim. Todos os níveis de respeito e carinho adentrando as janelas de casa que agora iluminam mais uma pele, mais uma vida. Com a nova moradora a rotina da casa ficou diferente. As portas que antes permaneciam trancadas, não deixaram de existir, mas hoje permanecem sempre abertas para que ficar seja uma escolha e a voltar, uma agradável surpresa. Todos sabem quem você é, mas descrevê-la